A estupidez derruba o tabuleiro e vence o jogo tedioso da política

Muito além dos tabuleiros

O jogo de Xadrez tem sido fartamente usado como metáfora para a política, especialmente por articulistas que não entendem chongas de Xadrez. Mas, sabendo jogar ou não, eles colocaram na linguagem popular expressões como “no tabuleiro da sucessão presidencial” e “as peças se movem no Parlamento” e ainda “o governo está em xeque”, além de várias outras. Assim, todos aceitamos a comparação entre a política e um jogo de inteligência, onde não entra o fator sorte: estratégia e tática decidem o resultado. Na política, entretanto, não é bem assim. Tem estratégia e tática -e o dinheiro, que sempre foi a “peça” mais forte, precisa ser usado com inteligência-, mas duvido que alguém possa desejar “que vença o melhor” sabendo que na maioria das vezes quem vence é o mais ruim.

Precisamos de outro jogo para representar a política. Talvez o popularíssimo jogo dos palitos, a “porrinha”, seja adequado. Não conheço as regras do Truco, mas sei que os jogadores gritam e batem com força na mesa, o que me parece uma imagem mais próxima do comportamento dos políticos no Brasil do que a meditação silenciosa e bem-comportada dos enxadristas (alguns fazem coisas condenáveis para atrapalhar a concentração do adversário, mas nada muito escandaloso). Uma das melhores anedotas da campanha eleitoral passada dizia: “discutir com um petista é como jogar xadrez com um pombo: ele vai derrubar as peças, cagar no tabuleiro e ainda vai sair com o peito estufado cantando vitória”. A mesma piada foi contada pelos petistas, referindo-se aos seguidores do adversário vencedor. De fato, os pombos de direita e de esquerda disputaram uma partida animada e suja naquela temporada.

A diferença entre o Xadrez e a política, nos últimos tempos, aumentou um bocado. Não sei se é porque voltei a estudar o jogo-arte-ciência e acompanhar as partidas dos grandes mestres nas competições internacionais, percebo que quanto mais aprendo o Xadrez, menos entendo a política. Acho que minha mente exige mais lógica, sentido, coerência, algum planejamento, a capacidade de prever os próximos lances, uma intuição forte e capaz de sondar a situação presente para encontrar os melhores caminhos futuros, atenção para não se iludir com pistas falsas… alguém encontra coisas assim no mundo da política?

Um dia, estou acompanhando uma partida entre o campeão mundial, o norueguês Magnus Carlsen, e o seu mais recente desafiante, o ítalo-americano Fabiano Caruana. Tenho que interromper a apreciação do demorado “clássico” (daqui a cinco horas vejo o resultado) porque preciso ler o noticiário em busca de assunto para minha coluna na Contilnet. Aí fico sabendo que o ministro da educação explicou o corte das verbas para as universidades colocando chocolates em cima da mesa, o que ele talvez pense ser um criativo recurso didático e não uma ofensa à inteligência do público. Mas vejo também que o “guru” do capitão-presidente, por ele condecorado com a Ordem da Grã Cruz, dirigiu-se no twitter para um ministro de Estado, que é general do exército brasileiro, dizendo algo como “cale a boca, seu merda”. Francamente, não sei o que posso escrever sobre tais sandices, prefiro voltar à emocionante partida de Xadrez, onde um pensamento puro e virtuoso resulta em lances belos que só podem ser compreendidos com análise profunda.

Não alcanço essa política, menos por incapacidade que por falta de vontade. Está muito aquém de meu entendimento, logo me dá entojo. E o que é pior: nem posso expressar meu desagrado sem que algum fanático seguidor de mitos virtuais venha retrucar: “e o Lula analfabeto, e a Dilma estocando vento?”, como se a idiotice passada justificasse a estupidez presente. Não apenas conheço a história, eu a vivi: foi na enlouquecida campanha eleitoral de 2014 que o PT desenvolveu -com a intenção de destruir a Marina- a técnica das fakes news e outros engenhos de moer consciências que os seguidores do capitão aperfeiçoaram quatro anos depois, com o mesmo sucesso. Desde então, o surto psicótico dominou o mundo. Voltar a jogar e estudar Xadrez foi fundamental para minha sanidade mental.

Fico feliz por não entender esse mundo. E sinto também uma certa alegria por não alcançar a tosca complicação dos fuxicos provincianos, que seguem o padrão nacional em vários aspectos. Não poderia ser diferente, os modelos são replicados em menor escala (esquerda, direita, milícia, ativismo, corrupção, caixa 3, blogs, empreiteiras, igrejas, facções… de tudo temos em versão minion) e até alguns personagens se repetem. Mas aqui na terrinha temos algum alívio. Primeiro, porque todo mundo se conhece e sabe dos podres de cada um, não dá pra ninguém ficar posando de virtuoso, nem de gênio, e os egos inflados que publicam desaforos na internet provocam mais risadas do que raiva. Segundo, porque aqui não há renovação no elenco, os novos personagens tem que ser interpretados pelos mesmos velhos atores e são todos tão sem-graça que ficam até engraçados.

Mas não deixo de ter minha dose de enfado, vendo o estado com dois governadores, um que manda e o outro que desmanda, deputados que nomeiam e depois demitem sem que se saiba por quais motivos, a gritaria histérica sobre assuntos absolutamente irrelevantes, a imprensa corajosamente contra a favor, o mundo real na tela do celular. Tirando a modernidade da tecnologia, o tamanho da barriga e a quantidade de cabelo, voltamos aos anos 80.

A guerra está formada, outra vez. No final, venceremos. E de uma coisa já sei: hoje, como ontem, os novos caminhos serão encontrados pelos artistas sem grana, os jovens desempregados, os velhos que contam histórias, os fazedores da cultura popular… e as mulheres que trabalham para sustentar toda essa gente. Vou ajudar agora do mesmo modo como ajudei antes: estudando Xadrez e cismando minhas filosofias. Aqui e acolá, cantando para que as Musas me concedam alguma poesia.

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A estupidez derruba o tabuleiro e vence o jogo tedioso da política