Uma oração por Notre Dame de Paris e de um mundo que se consome em chamas

O que salvar do incêndio

Neste tempo em que a muita gente se orgulha da própria ignorância e tem a insensibilidade como uma virtude, é possível não se importar com o destruição da Catedral de Notre Dame. Mas é impossível fugir das consequências da tragédia e de seu simbolismo. Cada ser humano é tocado numa parte de sua alma da qual talvez não tenha consciência, mas é onde guarda seus tesouros mais preciosos, a memória de sua trajetória sobre a Terra, a intuição de sua origem, a visão luminosa de seus ancestrais, o sentimento de humanidade. No fundo, todo mundo sabe que perdeu algo valioso, que está mais pobre, que diminuiu.

É fácil ver quando algo “valoriza” o bairro em que você mora. Pode ser uma escola muito conceituada, um parque, um novo edifício, uma loja, um morador famoso. Fácil também é ver que a perda daquele bem ou sua degradação “desvaloriza” o bairro. O incêndio de Notre Dame desvaloriza o mundo todo. Aquela grande linda catedral não era dos franceses, muito menos dos parisienses, pertencia à humanidade. Por isso, até alguns dos políticos e governantes mais insensíveis, de vários países, lamentaram o incêndio. Entre eles, o capitão-presidente do Brasil, que, certamente orientado por sua assessoria, falou palavras muito diferentes daquelas que disse no ano passado sobre o incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Na ocasião, demonstrou pouco caso, “já queimou, posso fazer o que?”, respondendo agressivamente à pergunta de jornalistas. Os franceses -e outros povos-, ao contrário, lamentaram a perda de uma parte significativa da história humana com a destruição do museu.

/Foto: Ilustrativa

Pelo mundo afora, a parcela mais consciente da humanidade lamenta a perda do que lhe pertence. Sente desespero e raiva, por exemplo, quando os países da América do Sul permitem ou incentivam a devastação da floresta amazônica. Sabem que a Amazônia, tanto quanto as catedrais da Europa, dá valor e sentido ao mundo não apenas pela sua importância no clima do planeta mas também pela riqueza cultural de seus povos, sua memória ancestral, sua profunda experiência existencial e até pela força simbólica da floresta na constituição da humanidade.

Quem diz, irritado e orgulhosamente estúpido “ora, ninguém come símbolos”, tem toda razão: os cachorros também comem ração e os bois comem capim -e ninguém viu nenhum deles apreciando uma pintura ou lendo um livro, nem mesmo contemplando o pôr-do-sol. Especialmente quando estão com fome, poucas são as criaturas que procuram outro sentido além do paladar e mesmo esse é limitado e pouco exigente. Também entre os seres humanos há muito que passam fome e, naturalmente, a esses se desculpa não se importarem com catedrais, museus e qualquer tipo de arte.

Ao leitor amigo tomo a liberdade de pedir duas coisas. A primeira, um prece sincera e um forte pensamento positivo para que os franceses consigam reconstruir a catedral com a força e imponência que tinha, não apenas para que volte a ser um dos lugares mais visitados por viajantes que vêm de todos os cantos da Terra, mas para que seja restaurado o símbolo e o sentido de um monumento à Mater Dei que, como a música e a matemática, é parte das realizações sublimes de que a humanidade já foi capaz. A segunda, que cuide com sensibilidade de tudo o que for bonito e simbólico ao seu redor, em casa ou na cidade ou em qualquer lugar, seja obra humana ou de natureza mineral, vegetal e animal.

Guarde ainda mais e melhor suas lembranças -não as perca na brutal dureza dos dias. Reviva-as. Por mim, estou revivendo agora aquela tarde em que, numa viagem às terras de França, entrei contrito e respeitoso na Catedral de Notre Dame em que se celebrava uma missa com belos cânticos em latim que ressoavam nas altas paredes e preenchiam o vasto espaço colorido da luz do sol filtrada pelos vitrais.

Ave Maria, gratia plena. Ora pro nobis pecatoribus.

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