Reflexões sobre o porquê de ainda termos no Acre uma imprensa tão diletante

Quando comecei no jornalismo, no começo de 1990 – e lá se vão quase três décadas –, a primeira lição que aprendi é que o papel tinha dono, como hoje também têm os milhões de bytes de notícias que nos chegam pela internet. A segunda lição foi de que jornalista, independente da posição política do patrão, também tem lado. Disso se conclui que a tal ‘imparcialidade jornalística’ é um dos mais ridículos mitos criados em torno de uma profissão formada, grosso modo, por gente de esquerda e por patrões que, via de regra, se inclinam a defender o governante de plantão, independente do seu ideário político.

As grandes empresas de comunicação podem se dar ao luxo de contratar profissionais com base em sua expertise, sem se importar se estes sejam trotskistas ou simpatizantes do Partido Republicano. Os jornais mais lidos do país acomodam, na mesma edição, articulistas que, por exemplo, seguem a martelar a tese de que Lula é um preso político e também os seus antípodas, estes defensores da Lava Jato e do governo de Jair Bolsonaro.

Via de regra, jornalismo se resume a reportar a história atual do ponto de vista dos que narram os fatos, sempre sob a tutela dos que têm poder de vetar, suprimir, acrescentar ou superlativar as informações.

O mito da ‘imparcialidade’ sobrevive a todas as evidências de que os jornais têm lado/Foto: reprodução

Quanto mais próspera a empresa à que o jornal pertence, menor será, em tese, o cerceamento à liberdade de expressão. Ao contrário, quanto menor o caixa de um veículo de comunicação, maiores serão as restrições a que se devem sujeitar seus empregados.

No Acre, onde atuo há duas décadas, passei por cinco empresas diferentes, e em nenhuma delas tive 100% de liberdade para expressar opiniões. O dinheiro público que irrigou os veículos de imprensa, os conchavos paralelos e até mesmo as relações de amizade dos empregadores com os figurões sempre acabaram por minar a topografia do terreno em que nós, os profissionais de imprensa, somos obrigados, todos os dias, a caminhar longas distâncias em direção a lugar nenhum.

Pra piorar, nos 20 anos de petismo a que fomos submetidos pelos irmãos Viana, o setor da comunicação talvez tenha sido o mais prejudicado pelo projeto de poder cuja manutenção passava, necessariamente, pelo silêncio obsequioso da mídia.

E se já não bastasse o servilismo dos donos, assistimos à proliferação de empregados dispostos a propagar, tanto quanto os companheiros – ou mais até –, o enredo de um conto de fadas que acabou por se revelar no mais escandaloso estelionato político da história do Brasil e do Acre.

É claro que nem todos se deixaram cooptar pelas ofertas sedutoras. Mas ainda esses impuseram limites à liberdade de pensamento, fosse pela necessidade de sobreviver, fosse pelo compadrio inevitável em um estado pequeno e – para usar um termo local – de muros tão baixos. De um modo ou de outro, por estas bandas nunca foi possível exercer, em sua plenitude, o direito à liberdade de expressão.

O erro, a meu ver, não está em firmar acordos financeiros com detentores de mandatos políticos ou empresários – sempre inclinados, uns e outros – tanto em promover a própria imagem ou divulgar suas ações ou produtos, quanto também em manietar a imprensa sempre que, porventura, houver algum fato capaz de lhes emperrar as ambições políticas ou prejudicar os negócios. O equívoco reside no ajuste tácito em torno da compra de espaços publicitários, que acaba por se estender à linha editorial do veículo de comunicação e até mesmo às opiniões de colunistas e ao dos colaboradores de ocasião.

Ocorre, porém, que fazer jornalismo custa dinheiro. E a despeito deste artigo lamentar as relações incestuosas entre empresas de comunicação e os donos do poder no estado, a intenção não é crucificar os empresários do ramo. Estes, tanto quanto os seus empregados, também precisam, no fim das contas, se submeter ao funcionamento do mercado, cujas regras são ditadas pela política – quase sempre responsável também por pautar a imprensa.

*Jornalista e autor do romance Amazônia dos Brabos

PUBLICIDADE
logo-contil-1.png

Anuncie (Publicidade)

© 2023 ContilNet Notícias – Todos os direitos reservados. Desenvolvido e hospedado por TupaHost