18 de abril de 2024

Procura-se quem saiba a diferença entre o país real e a pátria dos discursos

Foi no início do verão acreano de 1987 ou 88, primeiras friagens do ano, o céu ainda azul sem o cinza da fumaça, que a “missão” de visita às áreas indígenas na área de influência da BR-364 me embarcou num helicóptero da FAB rumo ao Alto Acre com um Coronel do Conselho de Segurança Nacional, um médico da Funai e técnicos de outros órgão federais.

Sobrevoamos uma extensa área procurando a aldeia Jaminawa e nada de encontrar. Avistamos uma pequena clareira com uma casinha coberta de palha e o Coronel perguntou ao piloto se conseguia pousar naquele espaço tão pequeno. E vamos no rumo de baixo. Antes que a nave tocasse o solo, o co-piloto pulou com um facão e cortou a goiabeira para abrir espaço no terreiro. O cachorro saiu correndo, apavorado. O vento forte das hélices levantava as palhas, fazia tremer o barraco de paxiúba e espalhava as panelas ao olhar assustando de uma mulher que permaneceu imóvel, em pé, com uma criança no colo e duas agarradas às suas pernas. O Coronel desceu, falou rapidamente com ela, que respondeu apontando com o braço e, naquela direção, seguimos viagem para encontrar a aldeia na margem do rio Acre.

Um anos depois, ao encontrar comigo numa reunião na cidade, o cacique Jaminawa me contou a aventura daquela família de um seringueiro brasileiro casado cum uma peruana que mal falava português. Naquele dia, ele estava na estrada de seringa quando ouviu o barulho, voltou correndo para casa e encontrou o cachorro no caminho, a mulher recolhendo as panelas espalhadas no terreiro, as crianças em torno da goiabeira cortada. Imagino que o acontecimento marcou a memória daquela gente para todo o sempre.

Por muito tempo, quando me lembrava desse dia e dessa cena, eu me perguntei: afinal, o que é o Brasil? Talvez para aquelas crianças o Brasil pudesse ser descrito como uma nave barulhenta que desce do céu, com um homem branco vestido num macacão azul e com um facão para cortar uma goiabeira. Para a criança de uma favela da grande cidade do Sul, qual será a imagem desse país, qual o significado de seu nome? Para o jovem de paletó que grita no pregão da Bolsa, para o pescador no rio São Francisco que olha os peixes mortos pelos resíduos tóxicos de uma barragem que se rompeu a léguas de distância, para o jovem músico que toca saxofone numa estação de metrô, para o passageiro que passa sem escutar a música e olha para o celular procurando uma foto na internet, para a dona-de-casa que faz compras num supermercado, para o oficial das Forças Armadas que desce do helicóptero numa clareira da floresta que talvez fique além dos marcos da fronteira com o outro país… o que é afinal, o Brasil?

Os trâmites

Não conheço a lei em detalhes, mas sei que se o Presidente da República for deposto antes de completar um certo tempo no exercício do mandato, o vice não assume, quem assume é o presidente da Câmara Federal e convoca novas eleições em 90 dias. Se os militares quisessem tomar o poder, nesse caso, teriam que passar por cima da lei e dar um golpe clássico, o que seria mais difícil e possivelmente traumático pelas reações e resistências. A outra opção, menos problemática, é aguentar o capitão-presidente até que se cumpra o tempo mínimo necessário para legitimar a substituição pelo general vice-presidente. Seria preciso manter o titular sob controle, tomando seus remedinhos, para evitar que faça bobagens muito grandes. Os setores da mídia e da política que gritam para que ele saia do twitter e vá governar o país, na verdade ecoam a voz do tal mercado e apenas querem que ele negocie com o Congresso e aprove logo a reforma da Previdência. Depois, está dispensado.

Planos inferiores

Para quem tem a impressão de que estamos vivendo no caos, proponho outra idéia: estamos num plano mais baixo da realidade, onde as relações são mais diretas e é estreitíssima a faixa de mediações da sintaxe. Basta olhar justamente aí, na linguagem com que nos comunicamos, especialmente a fala dos dirigentes políticos, sem falar de seus virtuais seguidores, para ver que estamos no reino dos impulsos incontidos e da realização ou frustração rápida. Tudo é mais tosco, sem sutileza. E ainda não é o pior dos mundos, talvez seja apenas o trecho inicial da descida! Vejo referências a uma Deep Web, a internet profunda, povoada por fantasmas anônimos que curtem violência e pornografia, onde se vende armas e drogas e se conversa sobre atentados como aquele da escola em Suzano -e os autores de tais proezas macabras são orientados antes e homenageados depois. É o reino do racismo e da pedofilia. Mais que lixo, o chorume. E há evidências de que uma parte do conteúdo desse sub-nível boiou na superfície política. O Rio de Janeiro não é caso único, é apenas o mais escandaloso.

Se chover, se não chover

Agora imagine se, por uma dessas surpresas que chocam a humanidade a cada 5 séculos, os alertas dos cientistas forem verdadeiros, se o aquecimento global e as mudanças no clima não forem uma conspiração internacional de ecologistas marxistas sabotadores do progresso. O que aconteceria se uma chuva amazônica caísse sobre São Paulo, Rio e Belo Horizonte? E o contrário, uma seca nordestina?

O Brasil, que abusa da sorte e da natureza, não está preparado para desastres ambientais como os que tem ocorrido em outros países. Seu sistema institucional, corrupto no âmago, está se tornando ridiculamente incompetente. Sua sociedade é desunida e irresponsável. Se fosse verdade o que dizem, que cada povo tem o governo que merece, o Brasil não teria governo algum.

Aliás…
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