23 de abril de 2024

Era uma vez um país muito distante que um dia teve o nome de Brasil

Morte certa, renascimento talvez

Não sei se o que está acontecendo no mundo, na América do Sul, neste vasto território conhecido como Brasil pode ser chamado de mudança, ou, como dizem ter dito o ministro da Economia, a revolução da direita. Essa expressão que usei, “dizem ter dito”, já é reveladora: ninguém sabe se ele disse nem o que foi que disse, mas há milhões de pessoas dizendo que ele disse. E isso basta para que um não-fato seja fato e possa mover os índices que, aliás, também não se sabe se são reais mas são fortes o suficiente para mudar os preços. Da realidade dos preços ninguém duvida.

Sei que há uma quebra da lógica e do sentido, uma loucura, uma instalação do absurdo no centro de tudo. Essa estranheza está em todas as notícias e artigos na internet e há quem fale sobre ela. Mas não há estranheza nos comentários, que são normalmente loucos e estúpidos em sua histeria politiqueira, moralista, cientifica, religiosa, seja qual for a língua falada pelo comentarista. Vejo o comportamento das pessoas nas ruas, que convivem com o caos como se fosse o ambiente natural, como se sempre tivesse sido assim. Vejo os anúncios do Apocalipse como se fossem as promessas de vendedores em frente às lojas.

Nos Estados Unidos, uma troupe de malucos -que é simplesmente a comitiva presidencial do Brasil- fala todo tipo de bobagens e ergue brindes, oferece o país como uma loja em liquidação de estoque, tira fotos juntando as figuras mais tétricas de lá e de cá. Enquanto isso, o vereador filho do Presidente sai do Rio de Janeiro e aboleta-se em Brasília para manter a agenda no lugar do pai. Tudo normal.

Os estados estão falidos, os municípios ainda mais, os ministros da Tribunal Supremo batem boca com os promotores através da mídia. O Congresso é o de sempre, mas suas bizarrices estão momentaneamente ofuscadas pelo Judiciário e seus personagens pavorosos com capa de Batman.

Não creio que haja algum país no mundo capaz de resistir a um desastre contínuo e tão intenso. O Brasil ainda não se desmanchou totalmente porque construiu, pela força de sua cultura popular, uma identidade forte impregnada de intenso sentimento amoroso. As grandes paixões, como o futebol e o carnaval, a musicalidade que embala todas as redes, o luar dos sertões, a sensualidade das festas, a alegria dos terreiros, a nobreza mística da negritude, o cristianismo simples e brincalhão dos santos juninos, o mar imenso, a floresta enorme… tudo o que uma edição de dez imagens por segundo levaria um ano para mostrar foi se juntando e se amalgamando num sentimento difuso de herança e promessa na posse de um tesouro inesgotável que superava todas as ruindades, igualmente muitas. As ruindades venceram, e o que é pior, usando o disfarce do “bem”. A salvação da pátria é o controle da arte e a proibição do gozo. Fecha a cortina do passado. Bye, bye, Brasil. Até nunca mais.

O que está acontecendo, por inominável que seja, só pode ser superado por um espírito -como descreve Raul em “Gita”- mais alto, largo e profundo. O próprio Amor terá que nascer de novo, maior e mais belo. E se isso não for possível, então tudo estará consumado e o povo brasileiro terá cumprido seu destino, diferente daquele que Darcy Ribeiro imaginou. Um sonho de civilização terá desaparecido no oceano das eras, como tudo que nasce um dia tem fim.

É possível ter esperança de que esse novo velho amor brote no coração do cidadão urbano, tornado cínico e cético de tanta política e roubo? Na mente depressiva do jovem viciado em estímulos eletrônicos? No fanático descrente em um deus que só existe em tinta e papel-moeda? No macho que mantém sua potência no motor do carro? Nas multidões que andam pelas ruas com olhos vazios?

Em alguma estrela brilha, discreto, esse Amor que aguarda um minuto de silêncio, uma poesia, uma prece sincera, uma esperança legítima, um instante de descuido das sentinelas para descer à Terra? Alguém estará aqui para recebê-lo?

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