19 de abril de 2024

Carnaval sob novo comando: pouco riso, muita ideologia, mas com mil palhaços no salão

Folias políticas

“O carnaval da crítica social”, disseram as mídias, ressaltando as músicas, fantasias e todo tipo de protestos nos blocos e escolas de samba. Até parece que é a primeira vez. Na verdade, o Carnaval só deixou de lado os temas da atualidade política nos períodos em que isso era reprimido e podia dar cadeia. Permanecia um protesto social genérico, contra a pobreza e a carestia, além das habituais transgressões dos costumes e da moral. Tudo brincadeira. Com o tempo, a crise e o mau uso da liberdade conquistada, o Brasil avacalhou suas instituições e “perdeu a cabeça”. Em pouco tempo, as batalhas de confete e serpentina transferiram-se para a política: o desejo libertário foi instrumentalizado pela esquerda e o moralismo -cada vez mais radicalizado- virou plataforma da direita que, aliás, venceu a parada no baile eleitoral do ano passado. Mas novidade mesmo, não há. Nada que a competição entre a Parada Gay e a Marcha Para Jesus já não tivesse mostrado, nos últimos tantos anos.

Até tu, Moro?

Tá difícil acompanhar o vaivém do iniciante (em todos os sentidos) governo do Brasil. Nas redes sociais ainda esquentava a briga por causa da carta que o Ministro da Educação queria que fosse lida nas escolas -depois desistiu- e já começou outra briga, desta vez com o Ministro da Justiça, pela nomeação -e logo desnomeação- da cientista política Ilona Szabó para uma suplência no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). O “superministro” Sérgio Moro, de quem se dizia que tinha recebido “carta branca” do capitão-Presidente, foi massacrado pelas patrulhas que cuidam da limpeza ideológica do governo. Por mais qualificado que seja, alguém que discorda em qualquer detalhe, de qualquer assunto, é barrado na porta, não pode entrar nem numa suplência não-remunerada de um Conselho sem qualquer poder administrativo ou normativo. O capitão ligou para o superministro pra dizer que ele não era assim tão super e a carta que tinha dado não era assim tão branca.

Ô abre alas!

Pra completar a folia e mostrar aos seus ministros como é que se fala, o próprio capitão-Presidente disse que o Brasil gasta parcela muito grande do PIB com Educação. Fez a comparação com os países mais ricos e que recebem melhor avaliação internacional na qualidade do ensino. O Brasil, como se sabe, avança rapidamente rumo às últimas colocações. Talvez o Presidente queira justificar novas restrições orçamentárias à Educação com a lógica simples: se gastarmos menos, podemos obter melhores resultados. Onde cortaremos? No luxo e fartura das escolas públicas, no salário nababesco dos professores…

Dito isto, o capitão caiu na folia. Foi bater boca com Daniela Mercury e Caetano Veloso nas redes sociais, a pretexto de uma música -mais uma das tantas críticas que se grava em cada carnaval, só que desta vez contra os dogmas morais e ideológicos de seu governo. E misturou-se à multidão que o mandava tomar caju, mostrando, no twitter, o vídeo de um folião dançando com a bunda pra fora e baixando a cabeça para que outro urinasse nela. Pra quem gosta, um prato cheio. A ressaca da quarta-feira de cinzas é a discussão pra saber se esse tipo de bate-boca é compatível com o cargo de Presidente da República.

No fundo, acho que o problema é uma disputa de audiência. O Carnaval pode roubar a atenção pública, competindo com a equipe do governo na produção de loucuras alegóricas e fantasias bizarras. O capitão pode ficar sossegado: com apenas 4 dias, o Carnaval não tem a mínima chance.

Com a chuva na cabeça

Passou fevereiro de chuva -insistente, consistente, eterna. Os cidadãos reclamam de tudo: ruas esburacadas, sapatos encharcados, casas alagadas, mofo, umidade, sapos, mosquitos e crianças de férias enlouquecendo a sala. Eu saúdo a chuva e seu reinado, onde não existe crise nem escassez, nem pressa, nem sofrimento, mas a generosa abundância da floresta e dos rios que invadem os lagos para retomar antigas voltas que a terra escondeu em algum verão avarento. Saúdo os igarapés represados e os caminhos encharcados e as biqueiras fartas comendo a terra junto aos barrotes das casas, o café demorado e a conversa mansa, as contas dos colares e terços em que as preces se estendem no silêncio.

Chama-me este lado da vida, que o o outro lado quase não vê em seu passar ansioso e ocupado, endividado e aflito. Eu paro. E fico ainda março, quem sabe abril, quando sobrevirá, talvez, alguma vontade de roçar caminhos e andar.

Um dia deixarei esta terra e suas águas, entregarei meus ossos secos e minha carne fraca ao relento e subirei meus olhos para o vasto céu de estrelas cintilantes. Por esse tempo, ainda peço permissão para sentir-me feliz nesse vale de lágrimas disfarçadas em banho e consoladas pela alegria de abrir caminho com uma enxada para a passagem da enxurrada. A goiaba madura. A caminhada na lama. O trabalho de erguer no mato um barraco de palha, quase um tapiri, para reconquistar a Terra.

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